Uma das vozes mais destacadas da comunidade médica brasileira a defender o chamado “tratamento precoce”, a oncologista e imunologista Nise Yamaguchi deve prestar depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia nesta terça-feira (1º). 

Funcionária do Hospital Israelita Albert Einstein, Nise tem 62 anos e chegou a ser cotada para o cargo de ministra da Saúde quando da demissão de Luiz Henrique Mandetta, em abril de 2020, e, com mais destaque, no mês seguinte, quando Nelson Teich deixou o comando da pasta, 29 dias após sua nomeação. 

No dia em que Teich anunciou seu pedido de demissão, Nise almoçou com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), o que alimentou as apostas de que ela seria a próxima a ocupar a chefia da Saúde. Na ocasião, a médica chegou a dar entrevistas se dizendo preparada para coordenar o enfrentamento da pandemia. No entanto, o convite não veio, e o general Eduardo Pazuello acabou assumindo a pasta, primeiro como interino, depois como titular.

Quando Mandetta ainda era ministro, Bolsonaro convidou Nise a integrar o comitê de crise no combate à Covid-19, uma demonstração de prestígio junto ao presidente, com quem ela conversava “direto”, como disse à revista “Veja” em julho de 2020.

Em várias de suas entrevistas, Nise menciona uma suposta proximidade com o presidente Jair Bolsonaro e fala de conversas com outras autoridades do governo, como o ex-chanceler Ernesto Araújo, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello e a secretária de Gestão do Trabalho e Educação no Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro. Os três já depuseram à CPI da Pandemia, e Pazuello deverá falar mais uma vez. 

Em seu depoimento à CPI, o diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antonio Barra Torres, disse que participou de uma reunião com integrantes do governo, na qual Nise estava presente, em que surgiu a ideia de alterar por meio de uma medida provisória a bula da cloroquina, de forma a incluir no texto o tratamento contra a Covid-19, o que teria levado até uma reação “mais brusca” do chefe da Anvisa, como ele relatou. “Olha, não tem cabimento, não pode”, disse Barra Torres. 

Senadores críticos ao governo investigam se houve – e se ainda existe – uma espécie de “conselho paralelo” do presidente Jair Bolsonaro para assuntos relacionados à pandemia de Covid-19, com integrantes que ou não ocupam cargos na administração federal, como seria o caso de Nise Yamaguchi, ou não têm relação com a Saúde, como o ex-assessor da Presidência Arthur Weintraub, também convocado a prestar depoimento na CPI da Pandemia. 

Defesa da cloroquina e polêmicas

Tão logo a pandemia passou a ganhar força no Brasil, em meados de março de 2020, Nise Yamaguchi tornou-se uma voz potente na defesa do tratamento precoce da doença, se valendo principalmente da hidroxicloroquina e da cloroquina, drogas com as quais ela já tinha familiaridade em suas décadas dedicadas à medicina. 

Em congressos médicos e entrevistas que ainda hoje acontecem, a médica insiste na defesa de que a cloroquina — e mais recentemente a ivermectina — atuam de maneira eficaz para impedir a multiplicação do novo coronavírus nas células humanas, ainda que a comunidade científica internacional já tenha abandonado essa estratégia depois que várias pesquisas falharam em demonstrar a eficácia desses medicamentos em prevenir a Covid-19 ou mesmo em atenuar os sintomas da doença. 

Em maio de 2020, Nise já era popular entre os apoiadores do presidente Bolsonaro, e passou a reproduzir ela própria discursos que ganhavam força entre os simpatizantes do presidente, como críticas à Organização Mundial de Saúde (OMS) e acusações de que havia “inconsistências” nos registros de mortes atribuídas à Covid-19 no Brasil, o que estaria inflando os dados de vítimas fatais da doença. 

A defesa do tratamento precoce contra a Covid-19 ganhou o reforço do próprio governo, com declarações públicas de Bolsonaro na promoção da hidroxicloroquina. No dia 2 de julho de 2020, a TV Brasil exibiu uma entrevista com duração de mais de uma hora com Nise Yamaguchi, totalmente voltada à promoção do tratamento precoce. 

A entrevista, no entanto, acabou rendendo à médica uma suspensão por parte do Hospital Albert Einstein. Na ocasião, ela comparou o temor da população brasileira em relação à Covid-19 ao medo que os judeus sob Adolf Hitler sentiam dos militares nazistas na Alemanha da primeira metade do século XX.

Para Nise, o medo tornou os judeus “mais vulneráveis” aos horrores do Holocausto, e algo parecido estava acontecendo entre os brasileiros que não se fiavam no tratamento precoce. “Você acha que alguns poucos militares nazistas conseguiriam controlar aquela massa de rebanho de judeus famintos?”, disse Nise à apresentadora da TV estatal, em pergunta retórica. 

Na época, Nise atribuiu seu afastamento a uma perseguição política por sua defesa do tratamento precoce, o que foi negado pelo hospital. 

Apesar da suspensão, o Einstein informou à CNN que Nise Yamaguchi permanece “cadastrada como parte do corpo clínico aberto do hospital”, estando apta a “internar e assistir os seus pacientes dentro das nossas instalações”.

Embora tenha ganhado projeção com a defesa do tratamento precoce, a carreira de Nise está centrada principalmente na pesquisa e prevenção do câncer. Segundo seu currículo na plataforma Lattes, atualizado pela última vez em 26 de maio de 2021, a médica é premiada e reconhecida internacionalmente por seu trabalho contra o câncer de pulmão.