“Crise é a oportunidade de meter as caras. Se você é solteiro, não tem trabalho e não está apegado a nada. Tem mais é de acelerar e ficar na frente daqueles que ficam se lamentando da crise”. Jovem e solteiro, o empreendedor Ami Aram, de 27 anos, saiu do interior do Ceará para Brasília logo após se formar em tecnologia da informação, criou uma startup e hoje ganha três vezes mais do que receberia se não tivesse migrado.
Pesquisa da Fundação Getulio Vargas (FGV) Social, obtida pelo “Estado”, analisou o interesse de migrar da população três anos antes e três anos após a crise econômica. E diagnosticou salto de 36% na vontade do brasileiro de migrar internamente no País, comparando 2011 e 2017. No total, foram entrevistadas 9 mil pessoas, além do cruzamento de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Esse interesse, em 2011, era de 12,5% da população. Já em 2017, eram 17% os que pensam em mudar de município. A conclusão da pesquisa é que esse é um efeito da econômica.
Uma das novidades é que mudou o perfil do interessado na migração: ainda são, principalmente, jovens solteiros, mas agora brasileiros com renda mais alta têm mais vontade de mudar do que a população de baixa renda do País. Em 2017, o grupo dos mais ricos do País tinha intenção de migrar maior do que a média nacional, revela o MSN.
“E as pessoas da cidade passaram a querer migrar tanto quanto as do campo”, diz o economista e diretor da FGV Social, Marcelo Neri, que coordenou a pesquisa. Isso muda, segundo ele, o perfil do migrante, antes mais associado ao grupo pobre, principalmente vindo do Nordeste, que mandava alguém da família para a cidade grande com o objetivo de garantir o sustento dos demais. Para os pesquisadores do grupo, o cenário é resultado da recessão econômica do País.
Além da crise, dizem especialistas, o perfil mais empreendedor dos jovens e a busca por qualidade de vida também ajudam a explicar o interesse migratório dos mais ricos. “Os millenials (na faixa entre 18 e 35 anos) arriscam com muito mais facilidade. Estão mais voltados à busca de significado no trabalho, de alternativas que sejam prazerosas. O perfil deles é o de empreender e fazer a diferença”, afirma economista Cristina Helena Mello, da ESPM. “Essa segurança de receita (salário fixo) é de uma geração anterior, que viveu inflação e mudanças de planos econômicos.”
Logo que se formou, em 2015, Ami Aram tinha a intenção de migrar. “As empresas da minha área não pagavam o valor que um profissional formado merecia por causa da crise.” No fim daquele ano, foi morar em Brasília na casa de um amigo, com quem planejava criar uma startup. Hoje, já se sustenta com o próprio negócio.
Também solteiro, o dentista e empresário Rodolfo Lira, de 28 anos, foi outro que apostou na startup. Saiu de Uiraúna (PB) para Currais Novos (RN) em 2016 para fazer residência em Saúde Pública. Acabou desenvolvendo um aplicativo. “Vendo a atuação do mercado e as dificuldades, pensei que quanto maior é o problema maior é a oportunidade. Criei o app em busca de melhorar minha condição financeira e me identificar profissionalmente.”
Na época, ele não tinha emprego fixo e ganhava bolsa de R$ 3 mil. No primeiro mês da startup, ganhou R$ 100 mil. A startup expandiu, passando a atuar em 30 municípios. Lira se divide entre São Paulo e Porto Alegre – mantendo um apartamento em ambas as cidades.
Condomínios fechados são atrativos em região metropolitana
Para o demógrafo José Marcos Cunha, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), outro movimento migratório comum entre brasileiros de mais renda é de capitais para cidades das regiões metropolitanas. “Hoje o desejo de consumo é o condomínio fechado. As pessoas se mudam para municípios menores, as periferias elitizadas, para morar em condomínios tranquilos, com mais segurança, o grande apelo do momento.” Mas além disso, lembra, a vontade da mudança é diferente da migração em si. “Muitos ficam mais no desejo.”
Como usou metodologia da Gallup World Pool, entidade americana de pesquisa, o estudo da FGV Social também mostra que o interesse migratório interno do Brasil ficou acimda da média global, de 15,5%.
Florianópolis, Palmas e Goiânia atraem migrantes
A falta de emprego e a gravidez da mulher fez o jornalista Rafael Oliveira, de 32 anos, buscar uma cidade menor para tentar a sorte. Ele e a enfermeira Marina Nascimento, de 33 anos, trocaram Brasília por Goiânia há quatro anos. E o casal não se arrepende.
“Tivemos mais oportunidades de trabalho, maiores ganhos financeiros que, consequentemente, trouxeram mais qualidade de vida”, diz ele, hoje pai de Bernardo, de três anos.
A pesquisa da FGV Social não incluía mapear quais eram os municípios de interesse para migração. Mas os dados mais recentes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do IBGE sobre isso, de 2014, apontam Florianópolis, Palmas e Goiânia como os municípios com maior proporção de migrantes no País.
“Tivemos uma mudança muito significativa na estrutura produtiva. Estamos passando por um processo de desindustrialização. Palmas e Goiânia são capitais próximas de centros agrícolas importantes, com renda média que cresceu nos últimos anos e gerou oportunidades de emprego e prestação de serviço”, diz Cristina Helena Mello, da ESPM. “E essas capitais têm boa infraestrutura, de transporte, segurança e saúde.”
O caso da capital catarinense, porém, mostra que nem só as oportunidades de emprego revelam as motivações da mudança. “Há uma questão também do quão agradável é o lugar”, diz Marcelo Neri, diretor da FGV Social e coordenador da pesquisa sobre migração. “Ganhar mais (dinheiro) é parte do pacote, mas não é todo o pacote”, acrescenta. Segundo ele, “talvez morar em uma cidade grande não seja tão bom assim. Mais importante é morar em uma cidade melhor.”
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